Compreender, descrever, medir o mundo: COSMOTEORIA de ANTÓNIO CASTEL-BRANCO UM CURSO LECIONADO NA UNIVERSIDADE DE ÉVORA (1588)

Autores

Armando Martins
Departamento de Linguística e Literaturas
http://orcid.org/0000-0002-0548-7132
Samuel Gessner
Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT, ULisboa)
https://orcid.org/0000-0001-5922-0655
Palavras-chave: Universidade de Évora (história da) --- Jesuítas (ensino) --- Portugal (séc. XVI) --- História da ciência -- crítica textual --- literatura neolatina --- toponímia neolatina --- expansão marítima europeia

Sinopse

A obra Cosmotheoria (Cosmoteoria) é um curso introdutório à geografia e ao uso de alguns instrumentos científicos (astrolábio, globo celeste, escala altímetra entre outros), que resulta de aulas lecionadas, em 1588, na Universidade de Évora, pelo jesuíta António de Castel-Branco; circulou apenas em manuscrito, pelo que, a presente edição crítica acompanhada de tradução, constitui a sua primeira publicação. O trabalho baseia-se em investigação que abrange diferentes áreas que vão da teoria da crítica textual e da história da ciência e dos instrumentos matemáticos, aos estudos de literatura clássica, humanística e neolatina.

 Demonstra-se que a obra de Castel-Branco, alinhada com os objetivos pedagógicos do ensino jesuíta (e ainda que se revele uma singularidade no contexto do ensino ministrado na Universidade de Évora), constitui uma síntese da literatura científica, geográfica e historiográfica, tornada acessível para um público de principiantes (os estudantes de filosofia destinatários do curso de 1588).

Esclarecem-se, no presente livro, quadros conceptuais e metodológicos e questões da geografia e da historiografia de Quinhentos, e obtêm-se resultados relevantes também para o estudo de autores contemporâneos, como Fernández Enciso, em que Castel-Branco se baseou. Demonstra-se ainda o débito da Cosmoteoria para com as obras de Clávio, Juan Pérez de Moya, Florián Ocampo e André de Resende. No que toca à descrição geográfica, argumenta-se que a Cosmoteoria se move em quadros conceptuais distintos na descrição de territórios europeus em face dos não-europeus.

 A Cosmoteoria contém aspetos distintivos como a opção de Castel-Branco pela apresentação paralela de procedimentos para o astrolábio e para o globo (uma originalidade no contexto da literatura conhecida sobre esses instrumentos). A obra evidencia ainda a consciência de implicações da reforma gregoriana do calendário, nomeadamente, quanto ao uso de instrumentos.

A edição crítica da Cosmoteoria exemplifica vários problemas da transmissão textual, como as especificidades de obras baseadas em apontamentos de alunos (reportationes) e as da edição de textos científicos (e.g.: interpretação e reprodução de diagramas matemáticos), e discute a relação do texto com outras obras (e.g. o comentário aristotélico dos Conimbricenses).

O presente livro abre uma janela para o conhecimento da geografia e cosmografia tal como se ensinavam, na segunda metade de Quinhentos, na Universidade de Évora.

Biografias Autor

Armando Martins, Departamento de Linguística e Literaturas

Armando Martins é professor auxiliar no Departamento de Linguística e Literaturas da Universidade de Évora e membro do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa.

Dedica-se ao estudo da literatura neolatina dos sécs. XV a XVIII. Interessa-se pela literatura no sentido amplo, incluindo textos de carácter técnico sobre geografia, tratados de casuística, teses académicas, tratados filosóficos e gramáticas. A sua aproximação a esses textos tem em vista o estudo da forma literária e da materialidade do impresso e do manuscrito. Ciente da inexistência de instrumentos sistemáticos e exaustivos (dicionários, histórias, edições) na área dos estudos neolatinos, o seu objetivo é o de tornar inteligível o texto na sua dimensão verbal e descobrir as relações entre esses textos, por um lado, e a literatura e arte desse período, por outro.

 Publicou “Casus conscientiae: un caso límite de forma discursiva” in Perla Chinchilla Pawling (coord.), Las formas y las no-formas discursivas. Una aproximación a la historia de la identidad de los impresos. Universidad Iberoamericana A.C.; e em co-autoria: Manuel Álvares. Instituição da Gramática em três livros, aumentada e explicada por António Velez. Tomo I. Morfologia I: Paradigmas do nome, pronome e verbo. Princípios básicos das oito partes da oração. Introdução de Eustaquio Sánchez Salor e Juan María Gómez Gómez, edição crítica de Juan María Gómez Gómez e Carlos Salvador Díaz, tradução de Armando Martins e Cláudia Teixeira. Coimbra: Imprensa da Universidade.

Samuel Gessner, Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT, ULisboa)

Samuel Gessner é investigador auxiliar no Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT, ULisboa). Durante a sua carreira trabalhou enquanto investigador postdoc em Portugal, França e na Alemanha. A sua pesquisa centra-se nas diversas culturas matemáticas da Europa medieval e premoderna. Ele examina as formas como interagiam estudando o papel dos instrumentos matemáticos e astronómicos da perspetiva tanto dos eruditos teóricos como a dos matemáticos práticos. Ele recorre a artefactos da cultura material, em particular instrumentos matemáticos e astronómicos, como fontes primárias em conjunto com os documentos textuais. Um artefacto frequentemente constitui o ponto de partida da sua investigação. Publicou o estudo “Trepidation spheres” in the journal Centaurus (vol. 63, no. 4, 2021, p. 714-754) e, em co-autoria com Michael Korey, The wondrous course of the Planets. A heavenly machine for elector August of Saxony: An introduction to Eberhard Baldewein’s planetary clock in Dresden (2022).

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Compreender, Descrever e Medir O Mundo
Publicado
novembro 2, 2022

Detalhes sobre essa publicação

Co-publisher's ISBN-13 (24)
978-972-778-284-0